O conceito de visualismo na antropologia refere-se à predominância da visão como sentido hegemônico na cultura ocidental, fenômeno que tem raízes na filosofia grega clássica. Para Platão, a visão ocupava um lugar privilegiado na apreensão da verdade, pois era o meio que permitia contemplar o mundo das ideias, considerado superior ao mundo sensível e material. No Timeu, Platão afirma que “Deus concedeu a vista aos homens para que, observando as revoluções do universo, pudessem compreender a ordem dos céus e, assim, ordenar suas próprias vidas” (PLATÃO, Timeu, 47a). A visão, portanto, é colocada como sentido da razão, do intelecto e da elevação espiritual.
Por sua vez, Aristóteles também hierarquiza os sentidos, mas de forma mais empirista. Na obra De Anima, ele considera a visão como “o sentido mais nobre” por estar menos ligado ao contato direto com a matéria e por fornecer maior quantidade de informações à alma racional (ARISTÓTELES, De Anima, II, 9, 421a). A audição vem em segundo lugar, ligada à linguagem e ao aprendizado, enquanto olfato, paladar e tato são considerados sentidos inferiores, por estarem diretamente relacionados às necessidades corporais, animais e aos prazeres sensíveis.
Essa lógica dualista, que opõe razão e corpo, espírito e matéria, permanece como base da cultura ocidental e estrutura o que a antropologia contemporânea denomina de visualismo. Segundo Howes (2005) e Classen (1993), esse modelo sensorial, consolidado especialmente a partir do Iluminismo e da modernidade, reforça a hierarquia dos sentidos, colocando a visão como sinônimo de conhecimento, verdade e objetividade, e relegando o olfato, o tato e o paladar a esferas associadas ao irracional, ao emocional e ao primitivo. O visualismo, portanto, não apenas organiza práticas científicas, mas também molda as relações sociais, morais e estéticas, desvalorizando experiências sensoriais que escapam ao olhar. Assim, resgatar o olfato como categoria estética e epistêmica, no âmbito da antropologia dos sentidos, é também um gesto crítico contra esse regime perceptivo dominante, revelando que diferentes culturas atribuem centralidade a outros modos sensoriais na construção do mundo (HOWES, 2005; CLASSEN, 1993).
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Referências:
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ARISTÓTELES. Da Alma (De Anima). Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2018.
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PLATÃO. Timeu. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2002.
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HOWES, David (org.). Empire of the Senses: The Sensual Culture Reader. Oxford: Berg, 2005.
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CLASSEN, Constance. Worlds of Sense: Exploring the Senses in History and Across Cultures. London: Routledge, 1993.