A relação entre a Antropologia dos Sentidos e a Leitura em Ato, proposta por Eric Landowski, torna-se particularmente produtiva quando se considera o sentido do olfato como operador de sentido no mundo social e estético. Na perspectiva da antropologia sensível, autores como David Howes (2005) e Constance Classen (1993) argumentam que os sentidos não são apenas canais biológicos de percepção, mas são também construções culturais e sociais, profundamente atravessadas por regimes simbólicos, afetivos e estéticos. O olfato, nesse contexto, não se limita à captação de partículas químicas no ar, mas atua como um meio de mediação cultural, capaz de acionar memórias, identidades e narrativas sensoriais.

Howes (2005) sustenta que “os sentidos são formas de conhecimento, modos de habitar o mundo e de interagir socialmente”. Classen (1993), por sua vez, demonstra que diferentes culturas atribuem hierarquias, valores e funções específicas aos sentidos, e que o olfato, muitas vezes subvalorizado na tradição ocidental, assume em outras sociedades um papel central na construção de vínculos sociais, espirituais e estéticos.

Esse entendimento dialoga diretamente com a proposta da Leitura em Ato, desenvolvida por Landowski (2014), segundo a qual o sentido não está pré-codificado nos objetos ou nos signos, mas é produzido na própria interação sensível entre os sujeitos e o mundo. Landowski descreve quatro regimes de sentido — programação, manipulação, ajuste e acidente —, sendo o ajustamento aquele que melhor traduz a experiência olfativa. No regime do ajustamento, o sentido surge da sintonia corporal, da atenção sensível, da percepção contínua e do engajamento recíproco, sem depender de códigos prévios ou representações estáveis.

Nesse quadro, a prática do olfato não pode ser reduzida a uma simples decodificação de informações sensoriais, mas deve ser entendida como uma prática de leitura sensível, poética e situacional. Inspirando-se em Greimas (1987), para quem os sentidos se organizam tanto na ordem discursiva quanto na sensível, e na poética da memória olfativa elaborada por Marcel Proust (2006), o cheiro se configura como um vetor de narrativas sensoriais que escapam à linguagem verbal, operando na tessitura entre memória, afeto e estética.

Portanto, ao cruzar a Antropologia dos Sentidos com a Leitura em Ato, compreende-se que o olfato não apenas informa, mas forma e transforma experiências, sendo um modo de leitura do mundo que ocorre na carne, no gesto e na presença. A percepção olfativa, nesse horizonte, torna-se uma prática de leitura em ato, onde o sujeito ajusta-se sensivelmente aos sinais voláteis, imprecisos e altamente carregados de cultura e de história, que os cheiros evocam.

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Referências sugeridas:

  • CLASSEN, Constance. Worlds of Sense: Exploring the Senses in History and Across Cultures. London: Routledge, 1993.

  • HOWES, David (org.). Empire of the Senses: The Sensual Culture Reader. Oxford: Berg, 2005.

  • LANDOWSKI, Eric. Interações Arriscadas. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2014.

  • GREIMAS, A. J. Do sentido: estudos semióticos. São Paulo: Perspectiva, 1987.

  • PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido: No caminho de Swann. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

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